O desafio da cobertura do setor informal

Governos e sociedade parecem se ater cada vez mais à importância e à urgência de garantir cobertura previdenciária aos trabalhadores que atuam na informalidade, com resultados bastante positivos em alguns países. A Organização Internacional de Supervisores Previdenciários (InternationalOrganizationofPensionSupervisors – IOPS) define o trabalhador informal como sendo de baixa a média renda, autônomo, empregado de pequenas empresas ou empreendimentos familiares, agricultores, que desempenham atividades sazonais ou em meio período. Mas a despeito da importância do setor informal para as economias, os níveis de participação em planos previdenciários entre esses indivíduos ainda é muito baixo, algo entre 5% e 10%, em média, segundo a IOPS. A solução, dizem especialistas, é conferir maior flexibilidade aos saques e contribuições a fim de atrair esse público para os planos de pensão. Diversos estudos já foram realizados a fim de identificar os fatores que influenciam o indivíduo em sua decisão de poupar ou não para aposentadoria. O pesquisador e atual economista-chefe da Divisão de Inclusão Financeira do Banco BBVA, David Tuesta, divide esses fatores em três grandes grupos: (1) aspectos geográficos; (2) características pessoais: idade, estado civil, escolaridade, estrutura domiciliar, nível de renda, gastos e área de residência; e (3) variáveis do mercado de trabalho: setor, tipo de empresa, relação de trabalho, natureza do contrato empregatício e grau de formalidade. Com base em pesquisas nacionais de amostras por domicílios, Tuesta se propôs a estudar o tema, construindo modelos para cinco países latino-americanos (Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru). Afinal, a cobertura previdenciária continua a ser um desafio na região, argumenta o especialista. “Mesmo após vinte anos de reformas estruturais, o progresso alcançado foi mínimo”, assinala. Os modelos de Tuesta revelaram que o mercado de trabalho latino-americano é o fator que mais influencia a capacidade do indivíduo de poupar para a aposentadoria, sobretudo em países onde há altos níveis de informalidade ou maior vulnerabilidade no emprego. “Os resultados sugerem que se quisermos alcançar bons resultados em termos de participação ativa dos trabalhadores nos sistemas previdenciários, duas ações se fazem necessárias. A primeira, que tem caráter de longo prazo, é reduzir as distorções que possam impedir melhorias na forma como operam os mercados de trabalho latino-americanos. A segunda é adotar ações simultâneas, em curto e médio prazos, para adaptar os sistemas previdenciários atuais ao mercado de trabalho informal”, diz Tuesta. A participação obrigatória em programas de aposentadoria, tida como um recurso eficaz, é particularmente importante em se tratando de trabalhadores informais, que em geral são menos informados e tendem a considerar horizontes de mais curto prazo em seu planejamento financeiro em comparação aos trabalhadores formais. Evidências revelam que quando a adesão a planos de pensão é voluntária, esses trabalhadores simplesmente não participam, seja por vontade própria, por não saberem como fazê-lo ou sequer terem conhecimento a respeito do que são os planos de pensão. Em países como Chile e Austrália, bem como em Hong Kong, região especial administrativa da China, reformas previdenciárias buscaram legalizar a participação compulsória em planos de pensão privados tanto de trabalhadores formais quanto informais. Outra alternativa mais recentemente adotada por diferentes economias como Reino Unido, Itália e Nova Zelândia são os mecanismos de compulsão suave, tais como a inscrição automática, incluindo sob o seu escopo os trabalhadores informais. De acordo com especialistas, uma das principais razões pelas quais os trabalhadores informais resistem a participar de planos de pensão com adesão voluntária são os critérios rígidos – e frequentemente onerosos – envolvendo as contribuições e a acumulação de direitos. O ideal, portanto, é tornar os programas mais flexíveis, adaptando-os à realidade daqueles que atuam na informalidade. De fato, quando os governos começam a discutir o problema da falta de cobertura previdenciária – seja ela pública ou privada – do setor informal, a solução a qual se chega muitas vezes é o aumento da flexibilidade. O cronograma de contribuições deve refletir condições de trabalho não convencionais, como os turnos em “meio período” ou empregos sazonais, com contribuições mais elevadas em determinados meses do ano e a suspensão das mesmas em outras épocas. Um case muito citado na literatura internacional é o chinês, país onde os trabalhadores informais são obrigados a se filiar ao sistema estatal. Contudo, os índices de participação no sistema eram baixos frente aos altos valores contributivos inicialmente impostos, bem como à magnitude territorial, que dificultava a ação das autoridades no sentido de manter o controle das filiações. Diante disso, em diversas províncias, as exigências foram amenizadas a fim de se estimular a adesão. As contribuições sofreram redução, passando dos iniciais 28% (20% do empregador e 8% do empregado) para 20%, com 8% sendo direcionados a contas individuais. Na esfera da previdência privada, o governo chinês tem trabalhado para aumentar a oferta de planos para além das grandes multinacionais, com maior enfoque nas pequenas e médias empresas. Para tal, novos produtos – mais simples e flexíveis – vêm sendo desenhados. Em outras economias em desenvolvimento, sobretudo na Ásia, um calendário de contribuição menos rígido também foi introduzido a fim de atrair os trabalhadores temporários ou sazonais (com foco específico no setor agrícola). Assim, quando a safra for boa em função do clima favorável ou avanços na tecnologia, os agricultores podem verter contribuições mais elevadas aos fundos. Em contrapartida, caso haja problemas na lavoura, como pestes ou enchentes, por exemplo, eles têm diante de si a possibilidade de “pular” as contribuições. Flexibilidade também é a palavra de ordem em se tratando do acesso à poupança previdenciária. Afinal, não são raros os casos em que os trabalhadores que atuam na informalidade sofrem com o desemprego ou se veem diante da necessidade de utilizar os recursos para alguma emergência, como tratamentos médicos ou a compra da casa própria. Sendo assim, os benefícios devem ser mais facilmente acessados, embora especialistas recomendem que as condições de saque antes da aposentadoria sejam bastante claras e bem definidas, com finalidades específicas. A ideia é evitar que o participante chegue à aposentadoria com o saldo de conta muito prejudicado, um problema observado em países como Cingapura e África do Sul. Na Austrália, por sua vez, os saques precoces são permitidos somente em circunstâncias bem delimitadas, como dificuldades financeiras severas devidamente comprovadas O estabelecimento de planos setoriais voltados para trabalhadores com contratos temporários, a exemplo daqueles disponíveis em Hong Kong para as indústrias da construção civil e serviços de buffet, também tem gerado bons resultados, conferindo maior flexibilidade aos programas e, consequentemente, maiores níveis de participação. Incentivos financeiros e tratamento tributário diferenciado, mais vantajoso, já demonstrou ser eficaz para aumentar os níveis participativos, particularmente nos planos de adesão voluntária. Essa, aliás, é uma das características dos planos CD estadunidenses – conhecidos como 401(k) – e, segundo analistas, um dos principais fatores, junto com as contribuições voluntárias, para o sucesso desses planos no país. Ferramenta muito utilizada para aumentar os níveis contributivos é o regime EET, no qual as contribuições e rentabilidade dos investimentos são isentas de tributação, enquanto os benefícios são taxados normalmente, como renda. Uma das razões para que as pessoas não participem de planos de pensão, ainda que eles estejam disponíveis e tragam diversas vantagens, é a falta de conhecimento sobre o universo previdenciário em geral e planos específicos, em particular. Sendo assim, a educação financeira tem um papel importante a desempenhar no sentido de gerar consciência e conhecimentos do público sobre a importância de se planejar para a aposentadoria, ajudando a elevar a participação nos planos de pensão, inclusive entre os trabalhadores informais. Embora muitas vezes seja necessário criar instituições e gerar infraestrutura visando ao estabelecimento de planos previdenciários, é interessante, sempre que possível, tirar proveito da infraestrutura já existente. Tal abordagem mostra-se particularmente útil no alcance de trabalhadores informais, que muitas vezes não têm acesso a planos de pensão com base no vínculo empregatício. Segundo o AsianDevelopment Bank, quando o governo indiano passou a estudar a criação da previdência social no país (NationalPension System – NPS), cuja filiação é obrigatória para o setor formal e voluntária para o setor informal, uma das maiores preocupações foi chegar à população por meio de “pontos de contato” entre os potenciais participantes e o novo sistema. A solução encontrada foi fazer uso de uma infraestrutura ampla de instituições já existentes para que as pessoas tivessem acesso a informações sobre o novo plano. Para tal, bancos, agências dos correios, instituições de crédito, financeiras, entre outras, passaram a ter autorização para prestar esclarecimentos e realizar transações relacionadas ao novo sistema previdenciário. A abordagem ajudou a elevar os níveis participativos, particularmente entre os habitantes de áreas remotas, onde não há instituições financeiras e o estabelecimento de agências do NPS seria inviável financeiramente. Contudo, um dos pontos mais importantes na hora de estruturar um plano previdenciário é identificar os segmentos da população com capacidade para acumular poupança. Logo, sugerem estudiosos, antes que um novo produto seja lançado, é primordial conhecer a fundo os hábitos e preferências dos potenciais participantes. Para atender a esse objetivo, estudos devem ser conduzidos para analisar as principais preocupações desse público-alvo, seu perfil de renda, características sociais, etc. Com tais informações em mãos, será possível desenhar políticas atrativas e flexíveis, adaptadas às necessidades específicas dos grupos que se pretende atingir, incluindo-se aí o setor informal.

Fonte: Revista de Previdência Complementar.