“Ninguém é disciplinado para poupar”

Há seis anos, a principal atividade de Ângelo Guerreiro Costa era ministrar aulas em cursos de administração e economia da Bahia. Hoje, ensina em apenas um curso – o MBA em finanças da Faculdade Ruy Barbosa – e dedica o grosso de seu tempo a prestar consultoria financeira a empresas que vão do ramo de alimentos a construção civil. Sinal de um novo tempo, interpreta ele. “A cultura do planejamento financeiro é algo recente no Brasil”, diz Ângelo. “A crescente demanda por consultores é resultado disso. Somos infantes no universo das finanças”. Este, no entanto, é um universo que ele domina há 20 anos, quando iniciou sua carreira no BankBoston, seguido pelo Banco Itaú. Vivência no ramo que o faz ter uma postura humilde ante os mercados financeiros, como demonstra nesta entrevista à Muito: não tem medo de dizer que não sabe para onde vão os preços do mercado imobiliário, acha que os sonhos são importantes na hora de se tomar decisões financeiras e acredita que a diversificação seja a saída para o pequeno investidor não se enrolar em tempos de crise.

No último ano, os livros sobre finanças pessoais tiveram um crescimento de venda de 79% no Brasil. Por que estamos tão interessados no assunto?
O tema finanças é algo recente no Brasil. Ele ainda está entrando na fase adulta. A gente vivia dentro de um cenário onde tínhamos uma pequena parcela da população com acesso a banco, a um produto financeiro, e uma grande parcela excluída desse processo. Ainda existia um inflação que chegou a 3.000% ao ano. Não havia a menor possibilidade de fazer planejamento financeiro, de ter planos e objetivos de médio prazo. A conquista de um cenário mais sólido, capaz de possibilitar o planejamento financeiro, é algo de 10, 15 anos no Brasil.

Ao mesmo tempo, o nível de endividamento dos brasileiros é alto. Por que temos tanta dificuldade em lidar com planejamento financeiro?
Nós não temos uma educação financeira sistemática nas escolas, com matérias específicas. Agora, o nível de endividamento dos brasileiros, se compararmos com outros países, como Estados Unidos, não é tão alto assim. Ainda temos muita gente excluída do processo bancário – o que é bom, porque se trata de uma parcela que não tem educação básica, quanto mais financeira; é uma parcela que, provavelmente, não saberia lidar com os bancos. Nossas taxas de juro ainda são muito altas, e isso inibe as pessoas e, também, as empresas. E nos ainda temos um mercado prudente e conservador – quando há um princípio qualquer de turbulência, o crédito logo recua.

O Banco Mundial, no estudo O Impacto da Educação Financeira, concluiu que o Brasil poderia aumentar um ponto percentual no PIB se as aulas de finanças fossem incluídas no dia a dia das escolas. Como você enxerga as iniciativas de educação financeira já em curso no Brasil?
O governo federal criou, em 2010, um plano para incluir assuntos como investimento e finanças no dia a dia das escolas. Passados cinco anos, ainda temos uma inserção muito tímida desses temas. Ao que tudo indica, não serão criadas disciplinas específicas, mas uma integração desses assuntos às aulas. Não sei se é a melhor forma. Eu defendo a teoria de que o mundo, hoje, é financeiro. Precisamos aprender a lidar com esta grande arena do mundo financeiro para sobreviver. Todos os nossos projetos, objetivos e desejos passam por uma decisão financeira. Um bom controle do orçamento mexe com a qualidade de vida e com a sociedade. Existem pesquisas que mostram que cerca de 70% dos divórcios são influenciados por problemas financeiros. Nós somos uma sociedade que gosta de consumir. Ao mesmo tempo, uma sociedade com baixíssima renda per capita. Aprender a planejar é fundamental.

E quais os princípios básicos de um bom planejamento financeiro?
O orçamento e a economia. O orçamento é uma ferramenta de autoconhecimento, já que, ao listar os nossos gastos, conseguimos descobrir para onde está indo o nosso dinheiro. Já a economia é o corte de supérfluos. Mas a base de um bom planejamento financeiro é mesmo a proatividade. As pessoas, em geral, acostumam-se a buscar uma organização financeira quando entram em crise. Não estamos habituados à prevenção. O ideal é que isso se torne um exercício rotineiro. Não dá para esperar ter um problema, porque até lá muito já foi desperdiçado.

As opções de investimento no país têm crescido nos últimos anos. Existe o melhor investimento?
O sistema financeiro brasileiro é uma das áreas mais dinâmicas. Todo dia há uma solução nova. Lidar com essa velocidade é um desafio. Mas o primeiro passo para quem busca um investimento é definir a finalidade – poupar para fazer um curso no exterior ou se aposentar, por exemplo. A partir daí, buscar um produto que se adeque ao objetivo. Neste momento, o mercado está repleto de incertezas, o melhor investimento é conservador: títulos públicos.

Incertezas significam crise financeira?
Sim. Estamos atravessando uma crise. O difícil é precisar se estamos no início ou no meio dela. Mas há uma crise bem forte cercando a gente. O crédito está mais escasso e mais caro, os impostos estão mais altos, empresas estão perdendo receita e demitindo, a inflação está alta – e, com ela, há perda de renda e de poder de compra. E acredito que esse cenário ainda vá piorar, pelo menos até o início do segundo semestre. A expectativa é que o cenário se estabilize a partir de 2016 e, aí, possamos voltar a um nível melhor.

Comprar imóveis é uma motivação histórica no Brasil. Há consultores, no entanto, que acreditam que eles, como investimentos sólidos, são uma ilusão. Como encarar esse mercado?
A maioria dos consultores financeiros não estimula o investimento em imóvel. Para mim, a conta não pode ser tão fria. Se olharmos friamente, hoje é mais vantajoso alugar um apartamento do que financiá-lo. A inflação do aluguel gira em torno de 0,35%, enquanto a do financiamento está em quase 10%. Mas há outras variáveis que devem fazer parte dessa decisão. Uma delas é a segurança e o bem-estar que a pessoa sente em ter a casa própria. Isso faz parte da nossa cultura e é um dado a ser ponderado. Outro ponto é que pessoas e empresas passam por crises ao longo da vida. Se uma pessoa mora de aluguel e opta por colocar um dinheiro no banco, num momento de crise o primeiro montante que será ‘torrado’ é esse dinheiro que está no banco. Geralmente, as pessoas fazem isso. Mas se esse montante estiver investido em ‘tijolo’, num imóvel, a pessoa busca outras alternativas para sair da crise. Agora, se a pessoa pretende financiar 70%, 80% do imóvel, eu digo que é loucura. Aconselho financiar, no máximo, 50%.

A Fundação Getúlio Vargas criou, no ano passado, um núcleo de estudos em finanças comportamentais que estuda a conduta emocional dos investidores. Mas quais são as chances reais de o pequeno investidor não deixar suas emoções atrapalharem seus planos?
Ao fazer sacrifícios por um período de tempo, conseguimos muitas coisas depois. Mas a verdade é que ninguém é disciplinado para poupar. Isso é algo que se constrói, e a principal base é a motivação. Se você quer se alimentar bem, tem que gostar do que come. Se você quer manter a disciplina no orçamento, não pode se sentir como se estivesse destruindo o seu presente. Porque aí, mesmo que racionalmente queira poupar, emocionalmente seu cérebro começará a se defender, e acaba apontando um caminho diferente.

O culto de viver com menos, abrindo mão do excesso de bens de consumo, é apontado como comportamento em ascensão. Acredita que seremos mais ponderados em relação ao consumo?
Já é bastante comprovado que o planeta não consegue repor seus recursos na mesma velocidade em que nós os consumimos. A cada dia, portanto, a gente está deixando uma conta grande e essa é uma conta que precisará ser paga pelas gerações que virão. O consumo é um problema psicológico, financeiro e, sobretudo, um problema ambiental. E nós ainda temos milhões de pessoas que representam um contingente de consumidores a ser conquistado – países em desenvolvimento possuem uma massa de futuros consumidores, estes consumidores que que ascenderão socialmente. A redução do consumo é um movimento de sobrevivência. Mas, em relação a esse movimento no Brasil, devo dizer que sou pessimista – pelo menos no que diz respeito a médio prazo. Isso porque esse movimento depende de uma educação que, infelizmente, nós ainda não temos.

Fonte: A Tarde