Brasil atinge baixa colocação em ranking sobre conhecimentos financeiros

Que brasileiro é ruim de conta, todo mundo sabe. O desempenho dos nossos estudantes nos rankings de conhecimento matemático sempre nos coloca entre os últimos da fila. Agora, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) confirma o que já se intuía: quando o assunto é finanças, nosso conhecimento é igualmente pífio. Em um levantamento feito em 30 países sobre conceitos financeiros, o Brasil só supera Croácia, Bielorrússia e Polônia. Está atrás de Lituânia, Tailândia e Turquia, países que ocupam apenas a 87ª; 25ª e 17ª posição no ranking das maiores economias do mundo, respectivamente. É evidente que todo esse desconhecimento tem reflexo direto na baixa cultura de poupança da população, que ainda resiste a gastar apenas o que ganha e a economizar um pouco para o futuro. O estudo Adult Financial Literacy Competencies – algo como Competências de Alfabetização Financeira em Adultos, em tradução livre – foi concluído em julho e divulgado no final de outubro do ano passado. Todos os participantes responderam ao mesmo questionário, com uma amostra de pelo menos 1 mil respondentes em cada país. O objetivo da OCDE é comparar os conhecimentos financeiros, atitudes e comportamento dos adultos, bem como os níveis de inclusão e indicadores de bem-estar financeiro. O índice de respostas corretas às perguntas foi de 58% no Brasil, bem abaixo da média, de 78%, uma dificuldade que compromete a capacidade de planejamento futuro. Na avaliação da OCDE, o foco no curto prazo, como visto no País, compromete também a segurança financeira. A pesquisa, respondida por 51.650 pessoas, sendo 1.974 delas no Brasil, leva em conta conceitos divididos em três pilares: conhecimento, comportamento e atitude. O País não foi bem em nenhum deles. O Brasil só superou a média em alguns questionamentos. Na definição sobre a importância de diversificar investimentos, os brasileiros tiveram um índice de acerto de 77%, acima da média de 64% entre os países pesquisados. Nas perguntas sobre o valor do dinheiro no tempo e naqueles referentes a risco e retorno, o Brasil também ficou ligeiramente acima da média. No restante, ficou bem abaixo.

Dados da OCDE mostram, ainda, que apenas 30% dos brasileiros são poupadores ativos, ou seja, têm alguma reserva financeira. Esse índice só não é pior que o da Hungria, resultado que explica o alto índice de inadimplência verificado nos últimos anos. Afinal, se a renda cai ou o desemprego aumenta sem que se tenha uma reserva financeira, é quase impossível pagar as contas.

O questionário aplicado no ano passado repete o teor de outro levantamento feito pela OCDE em 2010. Com isso, os países participantes podem avaliar sua evolução em relação aos demais. Um dos objetivos do estudo é subsidiar os países em desenvolvimento na execução de estratégias nacionais de educação financeira. A instituição considera que a educação, a proteção e a inclusão dos consumidores são ingredientes essenciais para o “empoderamento”. A coleta de dados baseada em um instrumento já reconhecido internacionalmente, como é o caso do estudo, aumenta ainda mais o valor da avaliação, permitindo que os países identifiquem padrões comuns e trabalhem em conjunto para encontrar soluções que melhorem o bem-estar de suas respectivas populações. A análise é também um primeiro passo para a exploração mais aprofundada de políticas de capacitação financeira eficazes, levando em conta particularidades como gênero, idade e parâmetro social. Em média, apenas 56% dos adultos em todos os países e economias tiveram a pontuação considerada mínima. Menos de um em cada dois obteve tal pontuação em 11 dos países participantes (África do Sul, Malásia, Ilhas Virgens Britânicas, Bielorrússia, Tailândia, Albânia, Federação Russa, Croácia, Jordânia, Reino Unido e Brasil). No entanto, em contraste, quatro de cada cinco adultos (84%) em Hong Kong atingiram a meta mínima de pontuação.

PROBLEMA CULTURAL

O desempenho não surpreende especialistas, que creditam o desconhecimento ao desprezo generalizado pela educação financeira no Brasil, um problema, sobretudo, cultural. “Nossa educação financeira foi forjada com a inflação, onde as pessoas precisavam comprar imediatamente após receber sua renda porque no dia seguinte comprariam menos do que queriam. ” Esta urgência pelo consumo, aliada à crença comum de que ter coisas significa “ser rico”, culmina no consumismo e na falta de formação de poupança, que é a consequência maior da falta de educação financeira, argumenta o consultor financeiro Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro. O resultado é o quadro que se vê hoje: a população envelhecendo sem renda, sem poupança, e cada vez demandando mais serviços do Estado. Enquanto isso, na outra ponta, está um governo tentando manter as contas, com medidas muitas vezes impopulares como a chamada PEC dos gastos e a própria reforma da previdência. O problema é que a falta de poupança vai fazer com que se demande mais de todos os serviços básicos, como saúde, educação e segurança.

Se a origem é conhecida, o mesmo pode ser dito da solução: educação. “Existem iniciativas do governo de educação financeira nas escolas, mas elas não são suficientes. Ainda temos um marketing muito forte em relação ao consumo.

Temos a cultura do abandono do dinheiro, onde viver cada momento mento é mais importante que poupar”, observa Calil. Os poucos que têm essa educação financeira e conseguem manter uma vida frugal sobre valores mais sólidos acabam enriquecendo rápido e mantendo a concentração de renda para si. Ou seja, se o País vislumbra o caminho da igualdade, precisa investir rápido na reversão da cultura de que quem consome é que é feliz. Calil adverte que muitos acreditam que ser educado financeiramente é deixar de gastar dinheiro. Não é. Há todo um conjunto de mudanças comportamentais a ser considerado.

EDUCAÇÃO NO CURRICULO

Uma das soluções propostas por Calil é a inclusão da educação financeira no currículo escolar, mas sem viés ideológico. “Costumo dizer que a única disciplina ensinada da mesma forma no mundo inteiro é a Matemática. Duvido que o viés a ser dado à educação financeira seria isento”, diz. Mas forçar o estudante a pensar o conceito é um passo importante para acelerar a mudança. Também especialista em Finanças, Alexandre Prado defende o mesmo remédio. “Temos que mudar este legado para a próxima geração. É realmente fundamental que tenhamos uma disciplina chamada educação financeira nas escolas, mas no sentido lato sensu. A educação básica vai levar a pessoa a planejar finanças, orçamento doméstico e a entender o conceito.” Prado ressalta que o brasileiro não passou por um processo de educação financeira como o americano, por exemplo, que aprende a planejar desde criança. “Desde 1994, com a economia estável, o brasileiro médio passou a ter acesso a produtos e serviços de boa qualidade que até então não tinha. Por não haver planejamento, passamos a ter alto grau de inadimplência”, ressalva. Embora tenhamos um mercado financeiro moderno e bem estruturado, ele também se beneficia da gana que o brasileiro tem de consumo, sem planejamento. Além de mal educado financeiramente, o País também padece do otimismo exacerbado. “O brasileiro acredita que Deus sempre ajuda, que vai acontecer. E se Deus não ajudar, o Estado fará isso. O comportamento diante dos programas de transferência de renda comprovou esse fenômeno”, sustenta Prado.

DECISÃO DO ESTADO

Se a transformação não ocorrer pela via da educação, será por decisão de Estado, como vai acontecer com as mudanças da previdência. É consenso que a cobertura passará a ser ater cada vez mais à renda mínima. De imediato, é preciso dividir os trabalhadores em dois grupos para medir os impactos – quem está no sistema previdenciário pela CLT e os funcionários públicos. Quem está na CLT já deveria ter começado a pensar nessa limitação de cobertura há muito tempo, pois nunca teve a garantia de receber vencimento integral. Já o funcionalismo público precisará de um exercício de adaptação. Fato é que ambos deverão buscar alternativas para assegurar a tranquilidade financeira na velhice. “Nesse aspecto, eu vejo que a indústria de planos de previdência tem um potencial de crescimento gigantesco, no momento em que é o Plano B à aposentadoria em um futuro não muito distante”, ressalta o consultor. Apesar disso, Prado considera a reforma ainda é tímida, especialmente em relação ao funcionalismo. “Acúmulo de aposentadoria, como a dos políticos, é um problema. Em um país que precisa de Bolsa Família para tirar gente da miséria, isso é no mínimo ridículo. O teto da aposentadoria tem que ser igual para todo mundo, independente do que aconteceu na vida ativa”, defende.

Prado pondera que a resistência às mudanças é natural e que este é o preço a ser pago no primeiro momento de qualquer reforma. “No primeiro momento dói, mas daqui a 50 anos vai dar resultado. O importante é que o brasileiro comece a planejar o futuro cada vez mais cedo e que veja a saúde financeira como algo tão importante como a saúde física e mental”, afirma.